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domingo, 13 de julho de 2008

O dia em que conheci Django

Stephane Grappelli, Eugène Vées, Django, Joseph Reinhardt e Roger Grasset

por Albert Offenbach*

Isso é o que aconteceu lá atrás, em 1938...

Fui para Deauville no feriado. Tinha dezoito anos. Naqueles dias, chás dançantes estavam na moda, então toda tarde eu ia para o chá dançante do Iate Clube, (que era dirigido por George Carpontiea, o ex-campeão francês de boxe), onde havia duas bandas. Uma era a banda dançante de Maurice Winnick; a outra, uma pequena banda cigana.

Na banda cigana, havia um guitarrista que tocava no estilo de Django. Eu não era muito bom de francês, mas consegui dizer-lhe que ele tocava como Django. Bem, ele ficou encantado de ouvir e disse que era o irmão de Django, Joseph. A medida que o via diariamente, ficamos bastante amigos e ele me disse que o Hot Club estaria tocando em Londres, no State Cinema Kilburn, dentro de alguns meses e se eu viesse aos bastidores vê-lo, ele me apresentaria a Django. Bem, isso não podia ser perdido, poderia? Então quando chegou a época, levei meu irmão mais novo (que tocava muito bem naquele tempo) e um amigo para ver o show.

Após o show, fomos para os bastidores ver se Joseph lembrava de mim. Ele lembrava e estava bastante contente em me ver, e me apresentou a Django, que era educado, mas não muito interessado no início. Então, vi a guitarra de Django deitada lá. Pensei que adoraria poder dizer que toquei a guitarra dele então perguntei se podia. Ele disse "claro!" Toquei alguns acordes no estilo do hot club e toda sua atitude mudou, ele se tornou muito amigável. Perguntei-lhe se gostaria de vir tomar um drinque num pub, ele aceitou e então disse ao resto do Hot Club que estávamos todos saindo para um drinque. Todos foram, exceto Stéphane Grappelly. No caminho para o pub, o amigo com o qual eu vinha disse "não vamos para o pub, vamos para casa para um drinque", e Django disse "OK".

Voltamos pra a casa de meu amigo, ele tinha um grande bar em casa, e tomamos alguns drinques. `Perguntei a Django se ele tocaria se eu trouxesse minhas guitarras. Ele disse sim, se eu tocasse com ele. Então, fui pegar minhas guitarras. Eu vivia muito perto da casa de meu amigo e tinha duas Gibsons. Uma comprara de Len Williams, o pai de John Williams por cinco libras, a outra era uma FDH Special.

Que emoção tocar para Django. Meu irmão mais novo era muito melhor guitarrista que eu e tinha pego o solo de
Limehouse Blues da gravação de Django, e quando ele ouviu meu irmão tocar ficou encantado. Era realmente muito modesto e nunca se deu conta de tinha um séquito tão grande.

Depois de tocar um pouco, paramos, e começamos a colocar alguns discos no gramofone. Um deles era de Chick Webb, tocando ‘Undecided’, cantado por Ella Fitzgerald. Ele adorou e disse que gravaria. Disse que precisava de uma cantora, portanto recomendamos a cantora da Romany Band, uma garota chamada Beryl Davis.

Após mais alguns drinques, nós os levamos de volta para o hotel e nos despedimos. Pensei que seria o fim daquilo, mas dias mais tarde, Django me ligou e nos convidou para a casa noturna em que o Hot CLub estava tocando, chamada The Nut House, dirigida por Al Burnett. Pode-se imaginar como eu estava empolgado. Tinha uns dezoito anos na época, e convidado pelo grande Django.

Fomos para o clube, mas Al Burnett não nos deixou entrar, duvidando que tívessemos sido convidados por Django. No entanto, como eu não ia embora, consegui convencê-lo a verificar. Demorou um pouco, mas enfim ele o fez, e Django saiu dos bastidores e disse que éramos seus convidados. Tinha uma mesa reservada para nós na frente. Assistimos o show, dançamos um pouco, e por volta das 4h30 fomos para Lyons Corner House tomar café da manhã. O Quinteto todo, exceto Grappelli. Acho que ele era um pouco soberbo demais para nós naqueles tempos.

Django pagou a conta para todos. Tentei ressarci-lo, mas ele nem queria escutar. Bem, este é o fim da história.

Pouco tempo depois, eu estava no exército e desembarquei na praia da Normandia com uniforme completo e a minha guitarra, mas isto é outra história.


* tradução Marcio Beck

TEXTO ORIGINAL
The day I met Django

This is what happened way back in 1938...

I went to Deauville on holiday. I was eighteen. In those days tea dances were in, so every afternoon I went to the Yacht Club tea dance, (It was run by George Carpontiea the French ex boxing champ), there was two bands, one was Maurice Winnick's dance band, and the other a small Gypsy band.

In the Gypsy band was a guitarist who played in the style of Django. I was not much good at French, but I managed to tell him he played like Django, well he was delighted to hear it and told me he was Django’s brother, Joseph. As I saw him every day we got quite friendly and he told me that the Hot Club was playing in London at the “State Cinema” Kilburn, in a few months time and if I came back stage to see him he would introduce me to Django. Well that could not be missed could it! So when the time came I took my young brother (who played very well in those days) and a friend to see the show.

After the show we went back stage to see if Joseph remembered me, well he did and was very pleased to see me, he introduced me to Django who was polite but not very interested at first, then I saw Django’s guitar laying there. I thought I would love to be able to say I have played Django’s guitar so I asked him if I could and he said sure. I banged out a few chords in the hot club style and his whole attitude changed and he became very friendly. I asked him if he would like to come for a drink in the pub and he said yes, then he said to the rest of the hot club in French of course that we were all going for a drink, they all came except Stéphane Grappelly. On the way to the pub, the friend I came with said, lets not go to the pub lets go home for a drink, and Django said OK.

We got back to my friends house, he had a great bar in his house, and we had a few drinks, I then said to Django If I got my guitars would he play , he said yes if I played with him, so off I went to get my guitars, I lived very near my friends house. I had two Gibsons, one I bought from Len Williams the father of John Williams for £5, the other was a FDH Special.

What a thrill to play for Django. My young brother was a much better player than I was and he had taken the solo of Limehouse Blues, off the Django record, and when he heard my brother play he was delighted. He was really very modest and never realised he had such a big following.

After a bit of playing, we stopped, then started to play some gramophone records, one was of Chick Web playing undecided sung by Ella Fitzgerald. He loved it and said he would record it. He said he needed a singer for it, so we recommended the singer from the Romany Band, a girl called Beryl Davis.

After A few more drinks, we took them all back to their Hotel said good night and I thought that would be the end of it, but a couple of days later Django rang me and invited us all to the Night Club that the Hot Club was playing at, called The Nut House, run by All Burnett. Well, you can imagine how excited I was. A kid of eighteen then, invited by the great Django.

We went to the Club but All Burnette would not let us in, as he did not believe we had been invited by Django however I would not go, I persuaded him to check and it took some doing, but at last he did, and Django came out and told him we were his guests. He had a table reserved for us right in the front, we watched the show danced a bit with a few of the birds that were there, then at about 4.30PM we all went to Lyons Corner House for breakfast the whole hot club but not Grappely. I think he was a bit too posh for us in those days.

Django paid the bill for everybody, I tried to pay him back but he would not hear of it. Well thats the end of the story.

A short while after that I was in the army and actually landed on the beach in Normandy in full kit, and my guitar, but that is another story.

quinta-feira, 26 de junho de 2008

J'attendrai, hier et aujourd'hui



por Marcio Beck

O único filme do Quinteto do Hot Clube da França, e portanto, da dupla Django Reinhardt e Stéphane Grapelli, com som sincronizado – registrado em 1938 ou 1939 – foi redescoberto em 2002 pela produtora Lobster Films, restaurado e incluído no terceiro DVD da coleção Retour de Flamme, de música francesa. Postado acima, está só o trecho correspondente ao Quinteto em si.

Antes, há uma explanação até cansativa sob o título 'The evolution of jazz (A evolução do jazz)'. Não há muitos dados da produção; a própria Lobster Films forneceu mais de uma data possível. O texto em inglês em off permite supor que se tratava, como os djangófilos mais eméritos especularam, de filmete ‘educativo’ sobre o estilo musical ainda pouco conhecido no país.

Com a fama já consolidada na França, impulsionados pelos recentes sucessos Minor Swing e Boléro, o Quinteto aportara em Londres em janeiro de 1938. Haviam sido convocados pelo empresário russo radicado na Grã-Bretanha Lew Grade (Louis Winogradski), que os assistira no cabaré da dançarina e cantora americana Ada Beatrice Queen Victoria Louise Virginia Smith, a Bricktop.

A conquista do público britânico, com shows no circuito de vaudeville por toda a Inglaterra e gravações nos estúdios da Decca, catapultou o Quinteto para uma turnê pela Escandinávia. Voltaram a Paris por um breve intervalo e retornaram à Inglaterra, onde a eclosão da Segunda Guerra Mundial fez o grupo se separar.

No show registrado no DVD Jazz a Vienne, parte do Gypsy Project de Biréli Lagrène, três dos discípulos mais inspirados de Django – Tchavolo Schmitt, seu primo Dorado e Stochelo Rosenberg – registraram uma longa versão do tema, que é adaptado da cançoneta napolitana Tornerai, letra de Nino Rastelli e música de Dino Olivieri.



J'attendrai ganhou letra em francês, no fim da década de 1930, feita sob encomenda da cantora italiana radicada na França Rina Pichetto (Rina Ketty). Foi usada na trilha sonora do filme alemão O Barco (Das Boot), passado num submarino alemão, na 2ª Guerra Mundial. É a música preferida do comandante. Em Um bom ano (A good year, 2006), filme estrelado por Russel Crowe, aparece a versão do chansonnier Jean Sablon, que também tocou com Django, antes do cigano ficar famoso pela Europa.

J'attendrai

J'attendrai
Le jour et la nuit
J'attendrai toujours
Ton retour

J'attendrai
Car l'oiseau qui s'enfuit
Vient chercher l'oubli
Dans son nid

Le temps passe et court
En battant tristement
Dans mon coeur si lourd
Et pourtant j'attendrai
Ton retour

Le vent m'apporte
Des bruits lointains
Guettant ma porte
J'écoute en vain
Hélas, plus rien
Plus rien ne vient



Esperarei*

Esperarei
O dia e a noite
Esperarei sempre
Teu retorno

Esperarei
Pois o pássaro que foge
Vem buscar o que esqueceu
Em seu ninho

O tempo passa, e curto
Pulsando tristemente
Em meu coração tão pesado
E, no entanto, esperarei
Teu retorno

O vento traz
Barulhos distantes
Batendo em minha porta
Escuto em vão
Ah, infelizmente, mais nada
Mais nada vem


* tradução Beatriz Nascimento Lins de Oliveira

sexta-feira, 20 de junho de 2008

Começou com uma corda quebrada*

Stephane e Django



por Marcio Beck

O clima elegante e formalíssimo do chá dançante do Hotel Claridge deve ter impedido Stéphane Grappelli de soltar uma imprecação quando uma corda de seu violino Pierre Hel – presente do mentor, Michel Warlop – arrebentou, a poucos minutos de mais um set da apresentação diária. A banda de 14 peças (vocal, acordeão, dois pianos, dois violinos, trumpete, três saxofones, duas guitarras, baixo e bateria) dirigida pelo baixista e acordeonista Louis Vola revezava-se com uma orquestra de tango e teria de voltar ao palco.

Grappelli trocou a corda, mas estava tendo dificuldades em afiná-la, devido ao som que emanava do palco. Foi para os bastidores e começou a acertar a tonalidade da corda rebelde, improvisando uma melodia que lhe ocorrera na hora. Absorvido pela imaginação, tirou algumas frases ‘quentes’ do violino, como não lhe era permitido fazer na apresentação. O público ali era extremamente conservador, completo avesso às músicas que animavam as casas noturnas da Rua Pigalle e adjacências, em meados da década de 1930.

Uma guitarra se juntou ao violino de Grappelli. Era Django Reinhardt, o singular cigano que conhecera em 1931, na boate La Croix du Sud, em Montparnasse. Grappelli lembrava como o guitarrista aparecera na casa certa noite, com cara de poucos amigos, para vê-lo e ouvi-lo. Django tocara violino na infância; abandonou-o pelo banjo, mas continuou fascinado pelo instrumento. Segundo relato de Grappelli, tão logo foram apresentados, o cigano chegou a levá-lo ao acampamento onde morava, nos arredores da cidade, para passar alguns dias tocando e bebendo.

A improvisação durou poucos minutos, mas tornou-se hábito nos intervalos do chá dançante do hotel. Com um raro entrosamento musical, a dupla passou a improvisar sobre os standards de jazz que ouviam nos discos americanos que os mesmerizavam havia anos. Outro dia, Vola juntou-se a eles, com o baixo. Noutro, Roger Chaput acrescentou uma guitarra. Eventualmente, Joseph também juntou-se ao grupo.

Grappelli, em várias entrevistas ao longo da vida, afirmou que Django chamara o irmão por estar se sentindo diminuído quando apenas Chaput os acompanhava. Quando Grappelli solava, duas guitarras sustentavam a base, além do baixo. Quando era Django a solar, havia apenas a guitarra do ‘primo’ cigano e o baixo. Com a nova formação, quando Grappelli começava um solo, Django fazia preenchimentos na base, e frases curtas. O repertório de improvisações foi se ampliando ao longo do verão de 1934. Os standards americanos Dinah e Tiger Rag eram os temas preferidos.

As jam sessions não passavam de distração para os músicos, nos raros momentos em que não estavam tocando para ganhar a vida, até que o estudante Pierre Nourry ouviu falar delas. Anos antes, ele tinha se juntado a um grupo de jovens entusiastas franceses do jazz capitaneados pelo ‘playboy erudito’ Hugues Panassiè. Filho de artistas abastados e dono de uma coleção monumental de discos americanos, Panassiè gostava de ser reconhecido como guru do grupo, oficializado com o nome de Hot Club da França.

Nourry convidou Panassiè a escutá-los, e este aprovou o som como sendo original e de qualidade. Coube a Charles Delaunay buscar a viabilidade comercial do grupo, o que não era fácil. Afinal, era swing jazz feito exclusivamente com cordas, numa época em que reinavam ainda, olimpicamente, os metais e o piano, com a marcação sincopada da bateria e uma voz potente, de preferência. Tão inovador que quando fizeram a primeira gravação, I saw stars e Confessin’ para a Odéon, em 9 de outubro daquele ano, esta foi engavetada. Muito ‘modernosa’ (modernistique), disseram os diretores da Odéon, na carta em que explicavam a recusa.

A modesta Societè Ultraphone Française, no entanto, tinha menos reputação a arriscar se o som do grupo, provisoriamente chamado Delaunay’s Jazz, fosse rejeitado pelos ouvintes. Era um selo originalmente alemão, responsável por algumas das principais gravações de música cigana do Leste Europeu à época. O diretor, monsieur Raoul Caldairou, só teve que negociar as quantias astronômicas que os músicos solicitavam.

Os acompanhantes (Chaput, Joseph e Vola) receberiam 30 francos por lado gravado; Grappelli, 50 francos. Além do pagamento, ficou acertado que Django receberia royalties de 5%. Combinado o pagamento, o Quinteto entrou no estúdio em 17 de dezembro e gravou quatro temas: Dinah, Tiger Rag, Lady be good e novamente I saw stars. Desta vez, no entanto, as músicas estavam destinadas a conquistar o grande público. Foi o que ocorreu ao longo de 1935.

* Título inspirado na abertura do capítulo 'Le hot - 1934-1935', em Django: The life an myth of a gypsy legend, de Michel Dregni (Oxford University Press, 2004).

quinta-feira, 12 de junho de 2008

Em memória de ‘El Negro’

Oscar Marcelo Alemán

por Marcio Beck

Amigo e rival – involuntário, segundo seu biógrafo – de Django Reinhardt, o maior expoente da guitarra jazzística do outro lado do Atlântico era um músico argentino que também dominava o cavaquinho e a guitarra havaiana. Discípulo de um violonista brasileiro, Oscar Marcelo Alemán conseguiu reunir, com técnica invejável e sentimentos poderosos, um ritmo explosivo e sofisticadas estruturas harmônicas. Além da guitarra, assemelhava-se ao cigano na origem humilde e nômade e na completa incapacidade de ler a música disposta em partituras.

“Na terra do tango, foi o rei do jazz”, afirma o cartaz do documentário biográfico Vida con swing, dirigido por Hernán Gaffet e lançado em 2002. Nada mais justo, já que até morrer, com 71 anos, em 14 de outubro de 1980, Alemán permanecia o mesmo gênio musical que encantou Josephine Baker na década de 1930, como comprovam as gravações que deixou. Só não era reconhecido pelas novas gerações do showbusiness argentino.

Quarto dos sete filhos do uruguaio de ascendência espanhola Jorge Alemán Moreira e da índia toba Marcela Pereira, Oscar Alemán nasceu em Resistencia, na província do Chaco, a 20 de fevereiro de 1909. Como Django, tinha uma família musical: Jorge era guitarrista e Marcela, pianista. Aos 6 anos, o niño Oscar juntou-se ao Moreira Sextet, comandado pelo pai e formado pelos irmãos, que tocava músicas nativas e folclóricas. Na época, ainda não adotara qualquer instrumento, apenas dançava.

Em 1919, tentando ganhar a vida de forma regular, Jorge Alemán Moreira partiu para a cidade portuária de Santos, no Brasil, levando Oscar e seus dois irmãos mais velhos. Deixou para trás a esposa e os caçulas. Era o começo de uma seqüência de infortúnios para o garoto. No ano seguinte, sua mãe, Marcela Pereira, morreu, e seus irmãos mais novos foram colocados em um orfanato. Novo ano, nova tragédia: em 1920, o pai comete suicídio e os irmãos mais velhos o abandonam. Sozinho, aos 12 anos, sobreviveu de biscates – serviços de engraxate, entrega de jornais, entre outros.

Conquistando o Novo e o Velho Mundo

Salvou-lhe o cavaquinho, instrumento que aprendera a tocar, de ouvido, nos anos anteriores. Em 1924, foi descoberto pelo violonista Gaston Bueno Lobo, que o convidou a formar um duo, Los Lobos. Passaram os anos seguintes excursionando, primeiro pelo Brasil (Bahia e Pernambuco), depois pela Argentina (Buenos Aires) e finalmente, em fevereiro de 1929, pela Europa. No repertório, tangos, foxtrots, boleros e valsas. A turnê é extensa: Espanha, Portugal, Bélgica, Suíça, Alemanha e países do Leste europeu. Por motivos que os biógrafos ainda divergem, a dupla se desfez e Bueno Lobo voltou ao Brasil.

Recrutado pelo trumpetista belga Robert de Kers para uma orquestra de jazz, Alemán finalmente viu-se diante de sua grande chance. Em 1931, foi chamado pela diva Josephine Baker para compor a trupe conhecida como Baker boys. A partir daí, sua fama foi consideravelmente ampliada. Dois anos depois, foi chamado para integrar a orquestra de Duke Ellington, o que Josephine proibiu e Alemán acatou sem discutir. Recusou também oferta do astro do tango Enrique Santos Discépolo. Até 1938, comandaria a orquestra, afastando-se devido a disputas sobre salários, principalmente.

Até a eclosão da Segunda Guerra Mundial, manteve-se bastante ativo, gravando regularmente com músicos de jazz renomado, mas a queda de Paris para os exércitos alemães trouxe-lhe graves conseqüências. Em junho de 1940, Alemán foi brutalmente espancado por soldados nazistas e teve seu instrumento, uma guitarra National Style 1, toda de metal, roubada – provavelmente para ser derretida e usada como matéria-prima de artefatos bélicos. Um pedestre fotografou o guitarristas, escoriado e ensangüentado, e o ajudou a obter a repatriação com o consulado argentino.

De volta à terra natal, Alemán forma um quinteto de swing jazz em moldes semelhantes ao Quinteto do Hot Club da França de Django Reinhardt. O florescimento da cena jazzística argentina colocou-lhe novamente na crista da onda. Afastando-se da sonoridade parisiense, adota em 1942 o formato de sexteto. Por cerca de uma década, apresentaria-se no clube noturno Gong, onde teve espectadores ilustres. Entre 31 de dezembro de 1945 e 22 de fevereiro de 1946, apresentou-se novamente no Brasil, nos cassinos do Guarujá, em São Paulo, e Atlântico, no Rio de Janeiro.

Casara-se em dezembro de 1939, com a cantora de vaudeville Maria Louisa Souverville, conhecida como Malou, mas o relacionamento não resistiu e em maio de 1946, conheceu a atriz de rádio Carmem Vallejos, por quem se apaixonou. Em agosto de 1948, tiveram uma filha, batizada India Morena Alemán, explícita homenagem à mãe, a toba Marcela Pereira. Até 14 de outubro de 1980, quando morreu, vítima de insuficiência renal, gravou centenas de temas com as mais variadas formações e uma inspiração que soava inesgotável.

‘Oscar foi amigo de Django e não quis competir com ele’

O documentarista Hernán Gaffet
ENTREVISTA
Hernán Gaffet, diretor de Oscar Alemán – Vida con swing

No Brasil, praticamente só ouvimos falar de música argentina quando se fala em tango, portanto... antes de Oscar Alemán, havia uma cena jazzística local ou ele foi um dos pioneiros da difusão do jazz na Argentina?

Poco después de ser editados en EEUU los primeros discos de jazz, hacia 1920 ya se escuchaban en Buenos Aires. Los músicos populares y el público argentinos oyeron jazz desde siempre. En la década del ‘30 había muchas bigbands de swing en Buenos Aires y compartían escenarios con orquestas de tango. Inclusive, muchos músicos de tango también tocaban en bandas de jazz. Ambos géneros crecieron y evolucionaron al mismo tiempo. A finales de los ‘20 Alemán grabó sus primeros discos en Argentina con Bueno Lobo, pero grabó tango, valses y canciones populares, no jazz. En los ‘30 mientras estaba en Europa, en Buenos Aires ya se había grabado bastante jazz y era un género con muchos adeptos. A su regreso en los ‘40, pronto fue la primera figura solista, pero no fue pionero.

Na apresentação do sítio do filme, o senhor afirma que Oscar Alemán é um fenômeno já esquecido pela sua mídia – daí a necessidade do documentário – e credita isso ao fato de que a música como a que ele fazia já não está mais na moda. O senhor foi capaz de identificar como se deu essa mudança no gosto popular e em que época começou a ocorrer? Alemán saiu de cena para dar lugar a que, musicalmente falando?

En los años ‘60, con el auge del rock (sobre todo Beatles y sus imitadores locales) el tango y el jazz dejaron de ser la música de baile para los jóvenes. Las grandes orquestas desaparecieron casi todas. La TV y la radio dieron difusión masiva al rock. Alemán trabajó poco como músico y debió sobrevivir dando clases de guitarra. En los ‘70 fue redecubierto y no dejó de trabajar hasta su muerte.

Existe em seu país, atualmente, alguma corrente de “seguidores” de OA na música, fazendo jazz como ele? E o swing jazz, tem algum espaço no panorama musical?

En la actualidad, hay buenos músicos de estilo swing y algunos cultores del estilo Hot Club de Francia. Son los que suenan más parecido a Alemán. Sin embargo, suenan más cerca de Django que de Alemán. Quizá porque el estilo de ejecución de Oscar es más difícil de imitar. El guitarrista estilo swing más destacado en Argentina es (según mi opinión) Ricardo Pellican (www.ricardopellican.com).

Como foi a recepção ao filme dentro de seu país, pela crítica e espectadores? E a repercussão na mídia argentina?

El film tuvo muy buena repercusión de público y estuvo 16 semanas en un cine. La prensa fue mayoritariamente muy buena.

Lidar com a realidade costuma trazer menos público que filmar histórias inventadas. Houve dificuldades para conseguir investimentos financeiros neste filme, tratando-se de um documentário sobre uma figura local cuja memória estava sendo negligenciada? Quanto custou a produção? Comercialmente falando, a película resultou um sucesso nas bilheterias? Qual o público estimado até agora?

Dos años después de la etapa de investigación que hice solo y sin dinero, se asociaron en el proyecto dos personas más poniendo el dinero para poder realizar el film. Es casi imposible encontrar financiamiento privado para un documental. Comercialmente hablando el film recuperó su costo pero no dió ganancias. Esperamos que se convierta en un buen negocio cuando podamos venderla al exterior. El film fue visto en Argentina por unos 6000 espectadores. Es una muy buena cifra para un documental hecho en video. A ello habría que sumarle la gente que la vió en los 10 festivales internacionales y los tres en Argentina.

Oscar Alemán iniciou a sua vida musical em São Paulo, aprendendo um instrumento típico do samba como o cavaquinho, e após passar dois anos se apresentando, ao lado de Gaston Bueno Lobo ou não, em diversos estados do Brasil, ainda voltou pelo menos duas vezes (1945 e 1960). O que ele dizia a respeito de sua ligação com a música brasileira? Quem eram seus músicos brasileiros favoritos?

Alemán atribuía su swing a un don natural, pero reconocía que la escuela de la música brasilera (sobretodo su rítmica) había influído mucho en él. De hecho, su primer composición fue un choro (“OA 1926” que grabó en los años ‘70). Además, su maestro de guitarra fue un brasilero, Bueno Lobo, a quien él consideraba su segundo padre. En sus comienzos en Brasil, lo impresionó mucho Pixinguinha.

Planeja fazer alguma exibição do filme aqui?

Desgraciadamente, aún no está prevista ninguna proyección en Brasil, pero no la descarto si surge alguna posibilidad. Amo su país, conozco Río, Ouro Preto, Angra, Paratí, Bahía, Recife, Olinda. Me haría muy feliz poder mostrar el film allá.

Como analisa a relação entre Oscar e Django Reinhardt? Acredita que ele seja um dos motivos para que OA não tenha se tornado um sucesso maior na Europa? Houve algum episódio de racismo contra Alemán, devido à sua aparência ou origem?

Oscar fue amigo de Django y no quiso competir con él. Se admiraban mutuamente. Oscar grabó no más de diez temas como líder de banda en Europa y en los ‘30 Django ya había grabado muchísimo. Su fama, tenía que ver no sólo con su calidad como intérprete sino también con una enorme difusión discográfica a la que Oscar no tuvo acceso. Django además, “jugaba de local”. Oscar estuvo muy ocupado como músico de Josephine Baker. A finales de su relación, Oscar llegó a ser director de la orquesta de Baker, siendo el único que no sabía leer una partitura. Cuando Hitler entro en Paris (1940) un grupo de soldados nazis golpearon a Oscar en la calle (también le mataron al perro y le quitaron su guitarra metálica) y mientras le recordaban su color de piel, le dieron 24 horas para abandonar Francia. Poco antes había viajado a New York, pero contó que por un episodio de discriminación y porque le negaron el carnet de músico para actuar en locales, regresó a Francia a los 4 días. En Argentina, no tuvo problemas. Incluso era cariñosamente llamado “el Negro”.

domingo, 4 de maio de 2008

Stephane Grappelli (26/1/1908 - 1/12/1997)






FOLHA DE SÃO PAULO
Terça-feira, 2 de dezembro de 1997


Morre o violinista Stephane Grappelli
das agências internacionais

O violinista francês Stephane Grappelli morreu ontem, aos 89, em uma clínica em Paris. A notícia foi dada por seu agente, Jacques Chartier.
Nascido em 26 de janeiro de 1908, Stephane Grappelli havia sido hospitalizado na semana passada para ser operado de uma hérnia.

Considerado um improvisador extraordinário, com uma maneira de tocar lírica e terna, Grappelli foi influenciado pela herança cigana de Django Reinhardt, com quem fundou, em 1934, um quinteto.

Na década de 50 e 60 Grappelli se apresentou em vários clubes da Europa e realizou gravações com vários músicos, entre eles o pianista norte-americano Duke Ellington.

Entre seus principais trabalhos estão "Homage to Django" (1972), "Live in London (1973), "The reunion with George Shearing" (1976) e Live in San Francisco" (1982).

Comentando o trabalho de Grappelli, o violinista clássico Yehudi Menuhin disse que "Stephane é como um malabarista que joga os pratos para o ar para depois apanhá-los antes que caiam".


Músico inseriu o violino no jazz
Édson Franco, da reportagem local

Apesar de ter concorrentes de peso, como Joe Venuti e Stuff Smith, Stephane Grappelli é o responsável pela inserção do violino no mundo do jazz.

E fez isso pelo caminho mais difícil. Defensor do suingue, ele explorou as variantes percussivas de um instrumento eminentemente melódico.

Nas mãos de Grappelli, o violino abandona a linearidade e as notas sustentadas por um longo tempo, herança da tradição erudita do instrumento.

No lugar disso, entra em cena com a síncope, a noção elástica de tempo, o fraseado irregular. Em uma palavra: suingue.

Originalmente um autodidata no piano e no violino – embora tenha estudado no Conservatório de Paris entre 1924 e 1928 –, Grappelli começou tocando em cinemas e grupos de baile.

Essa situação perdurou até 1933, ano em que o violinista conheceu o guitarrista cigano Django Reinhardt. Juntos, eles montaram o Hot Club de France, quinteto que brilhou até o começo da Segunda Guerra Mundial, em 1939.

Embora tenha gravado com Duke Ellington na década de 50, Grappelli continuou obscuro nos EUA até os anos 70.

De lá para cá, sem jamais por o suingue de lado, tocou com Earl Hines, Larry Corryell, Oscar Peterson, Joe Pass e McCoy Tyner.



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COMENTÁRIOS:

- Não há qualquer referência ao fato de Grappelli também tocar piano, de forma tão excepcional quanto o violino.

- Dizer que ele foi 'influenciado pela herança cigana' de Django é um exagero poético perdoável.

- Grapelli conheceu Django no outono de 1931, na boîte La Croix du Sud, onde o violinista se apresentava. Em suas memórias, ele costumava destacar como Django lhe parecera ameaçador, portando-se como um gângster. Eles se reencontraram no Hotel CLaridge, em 1934, quando o quinteto foi formado – não em 1933.

- Ele e Django não 'montaram o Hot Club de France'. O Hot Club havia sido criado em outubro de 1932 por Pierre Nourry, Hughes Panassiè, Jacques Auxenfans e Elwyn Dirats. O quinteto que os dois integraram, por sua vez, foi fruto da intervenção de Charles Delaunay, que tomou para si o papel de agente do grupo, cuja música o clube vinha promovendo.

- Ao mencionar Yehudi Menuhin, poderia ser acrescentada referência à apresentação que os dois fizeram juntos no programa de Michael Parkinson na BBC, veiculado na noite de 19 de dezembro de 1971, de onde surgiu toda a admiração do violinista israelense pelo camarada francês. O vídeo está disponível no Youtube.

- Também não custava dizer, já que se trata de um jornal brasileiro, que Grappelli gravou com o violonista Baden Powell, na década de 1980.

domingo, 27 de abril de 2008

O fogo criou um gênio

Poster de Django vendido na década de 1940


por Marcio Beck

O incêndio na caravana de Jean Django Reinhardt e Florine Bella Mayer, sua primeira esposa, na madrugada de 26 de outubro de 1928, interrompeu bruscamente o que já prenunciava ser uma carreira sólida de guitarrista. Desde abril, Django vinha gravando regularmente, acompanhando os acordeonistas Jean Vaissade e Maurice Alexander.

O repertório não passava sequer perto do jazz que conhecera na Rua Pigalle, assistindo a Billy Arnold's Novelty Jazz Band tocar no restaurante Abbayè de Thélème. Eram fox trots (Ma regulière, Au pays de l'Hindoustan), valsas (Amour de Gitane, Griserie) e até uma "marcha americana" (Miss Columbia).

Foram cinco sessões de gravação, total de 17 músicas, em cerca de seis meses. Dada a precariedade sistemas de gravação à época. Mesmo sendo relegado a um papel de menor destaque na música, Django se sobressaía com a criatividade das frases e a velocidade impressionante na digitação das notas, fruto da prática contínua desde os 9 anos.

O banjoísta/guitarrista prodígio chamara a atenção do bem-sucedido band leader inglês Jack Hylton. Segundo o pesquisador Michel Dregni, horas antes do incêndio, Hylton fora à boîte La Java, onde Django apresentava-se com Maurice Alexander num baile de musette (música dançante típica da época na França), e o convidara a se juntar à banda.

Os principais biógrafos divergem quanto aos detalhes. Charles Delaunay afirma que Django teria acordado no meio da noite, sobressaltado com o barulho provocado por um rato, e derrubado uma vela. Michel Dregni atribui o incidente a Bella. De qualquer forma, Django usou a mão esquerda para segurar um cobertor e proteger a esposa, grávida de nove meses, até saírem do inferno repentino que se tornara a carroça.

Como resultado, a mão ficou severamente queimada e só foi salva graças a uma operação realizada em clínica particular, paga pelos sogros, em 23 de janeiro de 1929 – seu 19º aniversário. A perna esquerda e o lado esquerdo do tórax também apresentavam danos sérios pelo fogo, e ficariam cobertos de cicatrizes.

No Hôpital Lariboisière – curiosamente, o mesmo onde nasceu o parceiro violinista Stéphane Grapelli –, em que foi admitido como paciente nº 18763, queriam acabar com os problemas da maneira mais simples: amputando. A recuperação ao nível funcional da mão, com as novas restrições que foram impostas pelos danos aos tendões e músculos, só ocorreu em fins de 1930.

Nesse meio tempo, foi abandonado por Bella, que levou o filho recém-nascido do casal, Henri. Reencontrou-se com a paixão do início da adolescência, Sophie Irma Naguine Ziegler, com quem foi morar. Django voltaria a gravar no ano seguinte, com o acordeonista e baixista Louis Vola e sua Orquestra do Lido de Toulon, cidade para a qual os irmãos Reinhardt haviam viajado em busca de novos ares.

Mesmo já tendo sido devidamente apresentado ao jazz pelo poeta e pintor Émile Savitry – que mostrara a ele e ao irmão, Joseph Nin-nin Reinhardt, discos de Duke Ellington e Louis Armstrong – Django gravaria ainda mais valsas e tangos antes de embarcar, em 1934, na aventura dos playboys parisienses Charles Delaunay, Hughes Panassiè, Jacques Bureau e Pierre Nourry: o Quinteto do Hot Club da França.

As gravações, em números

1928 - 17 temas em 5 sessões
1931 - 3 temas em 1 sessão
1932 - 11 temas em 5 sessões
1933 - 43 temas em 15 sessões
1934 - 88 temas em 32 sessões
1935 - 33 temas em 8 sessões
1936 - 94 temas em 20 sessões
1937 - 58 temas em 15 sessões
1938 - 45 temas em 7 sessões
1940 - 74 temas em 15 sessões
1941 - 8 temas em 3 sessões
1942 - 21 temas em 6 sessões
1943 - 17 temas em 5 sessões
1944 - 3 temas em 2 sessões
1945 - 18 temas em 5 sessões
1946 - 17 temas em 4 sessões
1947 - 91 temas em 16 sessões
1948 - 22 temas em 4 sessões
1949 - 70 temas em 2 sessões
1950 - 32 temas em 2 sessões
1951 - 16 temas em 5 sessões
1952 - 8 temas em 2 sessões
1953 - 20 temas em 4 sessões

TOTAL: 809 temas em 183 sessões

Estilos regionais do jazz cigano

Os ciganos do Sul da França eram talvez um pouco menos nomâdicos, e seus estilos refletem suas outras influências regionais, incluindo música da Córsega e outras regiões mediterrâneas. Os estilo Parisiense começou como jazz de certos ingredientes locais adicionados pelos muitos capazes guitarristas da cidade. Portanto, o estilo de Paris é o mais diverso tanto no próprio estilo da guitarra quanto em repertório. A linha comum é a guitarra acústica à la Django, sempre tocada com perfeita técnica, e a singular habilidade cigana de colocar aquele certo dó-ré-mi em qualquer tipo de música que toquem.

O estilo Alsaciano é marcado por sua batida (
pompe) rítmica percussiva, onde a tonalidade do próximo acorde é mais forte bem na passagem do acorde. Também é conhecido pela intensidade. Muitos dos solistas alsacianos tem um tom forte, que "morde". Alguns, como Tchavolo Schmitt, tocam com total desapego; outros, como Biréli Lagrène, tocam com uma ferocidade mais controlada. De qualquer modo, o som é confiante e para frente. Este é consideravelmente diferente do estilo Belga-holandês, onde a maneira de tocar é mais lânguida - se é que se pode usar essa palavra quando se está falando de jazz Cigano.

O estilo Mediterrâneo é uma alegre mistura do estilo Django e música Latina, em particular, música Corsa. Está praticamente extinto hoje em dia. Os guitarristas que o desenvolveram - Bousquet e Tchan-Tchou - estão mortos. O estilo é exuberante e fogosamente rápido.

Estes guitarristas tinham um "toque" diferente na guitarra: Bousquet era mais leve; Tchan Tchou mais forte. Bousquet tinha uma velocidade incrível; Tchan-Tchou, uma técnica infalível. O repertório incluía standards de jazz, bossas, valsas, e vários tipos de música mediterrânea. Bousquet gravou com uma variedade de cantores corsos, e há filmagem dele tocando alguma impressionante música mediterrânea com seu aprendiz, Moréno Winterstein. Moréno é mais do que capaz de tocar no estilo de seu mestre - ele pode ser o único hoje em dia que consegue. Mas para o talentosíssimo Moréno, é apenas um estilo que ele dominou. Há aqueles guitarristas que podem tocar os solos de Bousquet, mas não soam como Bousquet.

Paris é o lar do jazz Cigano e o lugar onde as próprias influências de Django - jazz americano e o bal musette - ainda são fortemente sentidas. As coisas que influenciaram Django ainda estão ajudando a guiar os guitarristas parisienses de hoje. No entanto, Paris é também o lugar em que a influência de Django como guitarrista é a mais fraca. Por que? Porque quando Django morreu, em 1953, não havia um interesse particular de outros guitarristas em levar adiante seu legado. Eles podiam ser influenciados por Django (entre outros), mas não se sentiam compelidos a segui-lo. Ao fim da guerra, guitarristas fortes como Sarane Ferret já estavam começando a abrir caminho para tocar seu próprio estilo de jazz de cordas parisiense. Guitarristas posteriores, como Henri Crolla e Christian Escoude inspiraram-se no grande cigano, mas seguiram resolutamente seu próprio caminho. Esta é a griffe do estilo Parisiense - seguir o próprio caminho.

É claro que sempre houve aqueles instrumentistas cujo estilo desafia qualquer categorização - Baro Ferret, Koen de Cauter, Francis-Alfred Moerman, para nomear alguns.

É uma grande parte do apelo e do charme do jazz Cigano - a maneira que se desenvolveu em muitas direções diferentes sem perder a visão de onde veio. Todo estilo tem algo para recomendá-lo. O gênio dos gigantes dos primórdios - os clãs Reinhardt e Ferret - garantiram uma base forte o suficiente para manter todos estes vários estilos regionais. Ainda assim, se o isolamento que ajudou a desenvolver esses estilos for diminuído, não significa que não haverá desenvolvimentos posteriores.

Há muitos guitarristas talentosos mundo afora tocando o jazz Cigano. Muitos deles farão contribuições a estes vários estilos regionais. Eles podem simplesmente não habitar a região em questão - ou mesmo o continente.


Scott Wise, in Django Reinhardt and The Illustrated History of Gypsy Jazz (p. 169-171). Speck Press; Denver, 2006.

O jazz em França




Porque é que a França forneceu tão grande número de bons músicos de jazz? - Antes da guerra: Alix Combelle, Django Reinhardt, Stéphane Grapelly - O Harlem em Montmartre - Depois da guerra: Nova Orleães em Saint-Germain-des-Prés - Guy Longnon, Claude Bolling André Persiany, Guy Lafite.

(…) O caso de Django Reinhardt é muito diferente, e é sem dúvida excepcional. Se o consideramos como um músico francês é porque a sua carreira toda se fez quase inteiramente em França (só foi uma vez aos Estados Unidos). Mas Django nasceu numa roulotte na Bélgica, em 23 de janeiro de 1910, era de origem cigana, e esta raça misteriosa tem algumas afinidades com a raça negra, não só pelos seus dons musicais, como pelo desprezo pelo que será o dia seguinte e pelo gosto por uma vida liberta das convenções correntes.

Ainda muito novo, Django Reinhardt começou por aprender violino; depois, sendo atraído pela viola, tornou-se um virtuose deste instrumento, de tal modo que os ciganos tinham por hábito ir ouvi-lo à porta de sua roullote, instalada às portas de Paris. Um terrível acidente esteve quase a acabar prematuramente com a sua carreira: um dia, quando dormia, pegou-se fogo à roullote e ficou com o corpo horrivelmente queimado. Conseguiu salvar-se, mas perdeu completamente a possibilidade de mexer dois dedos: o anelar e o dedo mínimo da mão esquerda - aquela que usam os violas para modificar a tensão das cordas, e, portanto, os sons.

Django ficou perto de seis meses sem poder tocar violão. Posteriormente retomou-a, inventou um novo processo de dedilhar adaptando às possibilidades da sua mão atrofiada e voltou a tocar bem como dantes - quer dizer, com mais velocidade que qualquer outro violonista!

Nessa altura, tinha descoberto o Jazz e a sua enorme reputação atraiu a atenção dos músicos profissionais. Um deles, o sax-clarinetista André Ekyan, contratou-o para sua orquestra; para se assegurar de que Django cumpriria o contrato, Ekyan ia todos os dias buscá-lo à roulotte e levava-o a Paris.

Em 1934, Django Reinhardt e Stéphane Grapelly fundaram o Quinteto do Hot-Clube de França, que foi o primeiro conjunto de Jazz europeu de grande valor e o primeiro, na história do Jazz, composto unicamente por instrumentos de corda: a viola de Django, o violino de Grapelly, um contrabaixo e duas violas de acompanhamento. O êxito do Quinteto foi considerável, tanto junto do grande público quanto dos amadores de Jazz. O primeiro ficou agradavelmente surpreso por ouvir uma orquestra de Jazz pouco barulhenta, cuja sonoridade não chocava o ouvido tanto como a dos grandes conjuntos onde predominavam os metais; os segundos encontraram no arco de Grapelly frases concisas e bem “swingadas”, inspiradas nas de Louis Armstrong, enquanto Django conseguia, ora um suporte rítmico suave e poderoso, ora solos de uma verve inventiva extraordinária, com desenvolvimentos tão lógicos e imprevistos quanto os de um Benny Carter ou de um Coleman Hawkins.

Django era ao mesmo tempo um virtuose inigualável, um acompanhador sem par e um improvisador prodigioso. A plenitude de sua música, o seu swing e a solidez do seu temperamento permitiam-lhe substituir sozinho toda a secção rítmica, incluindo a bateria. Pode-se verificar isto ouvindo os discos que gravou, em 1939, com Rex Stewart e dois outros músicos da orquestra de Duke Ellington, discos em que não se sente nunca a falta da bateria. É de nota que Django suscitou o entusiasmo de todos os músicos negros que tiveram ocasião de o ouvir, ou, melhor de tocar com ele, e dos maiores, como Eddie South, Dicky Wells, Rex Stewart, Coleman Hawkins e Benny Carter.

Improvisador, a abundância das suas idéias parecia inesgotável. De princípio, o seu estilo tinha umas ligeiras influências ciganas, mas muito rapidamente passou a exprimir-se na mais pura linguagem do Jazz, imprimindo-lhe sempre a sua marca própria, tão original. Por fim, foi um admirável compositor, não no sentido clássico do termo, visto que não sabia ler nem escrever música, mas como criador de melodias maravilhosas (e mesmo arranjos), que ditava tocando-as à viola.

Na sua maneira de viver, Django usava da mesma saborosa fantasia que na sua música. Desinteressado, não tendo nenhum cuidado de “fazer carreira”, chegou a romper contratos dos mais lucrativos simplesmente porque estava bom tempo e gostava mais de respirar ar puro, ver as árvores e os regatos que de tocar na desagradável atmosfera dos cabarés.

Foi no campo que morreu, de uma crise cardíaca, a 16 de maio de 1953. Os seus discos, felizmente, ficaram, razão pela qual viverá enquanto houver sobre a Terra homens capazes de apreciar as maravilhas do seu talento espontâneo.




PANASSIÉ Hugues, in "História do verdadeiro Jazz".
Capítulo XIV (p. 227/230); Portugália Editora, Lisboa, 1966 (Tradução e notas de Raul Calado)
Original:
Histoire du vrai Jazz, Éditions Robert Laffont, Paris

Palavra de Rei



Finalmente conseguimos instalar eletricidade em nossa casa em Indianola. Isso representou, para mim, principalmente, um rádio e um amplificador para a guitarra. O novo som de T-Bone não me saía da cabeça. Por mais que tentasse, não chegava nem perto dele. O mesmo acontecia com Django Reinhardt. Django era um guitarrista cigano belga que conhecia através de um colega do exército cujo navio tinha passado pela França; ele chegou dizendo que conhecera um músico fantástico. Esteve no Hot Club de Paris, onde Django estava se apresentando com o violinista Stephane Grapelli. Meu amigo trouxe alguns discos - aqueles 78 rotações grandes e fáceis de quebrar - embrulhados em papel de seda como se fossem jóias preciosas (e eram mesmo). Quando chegou no Mississippi, ele me mostrou. Eu não acreditei no que estava ouvindo.

Mais tarde, li que Django queimou dois dedos da mão esquerda em um incêndio de sua caravana. Esses dedos queimados se colaram no terceiro por uma membrana, de modo que lhe sobravam apenas dois dedos livres. As pessoas o chamavam de “Relâmpago de Três Dedos”, e era mesmo. Ele me pegou com a mesma força de Charlie Christian. Django era um mundo novo. Ele e Grapelli zuniam como demônios. A cadência era só o começo. As idéias de Django eram o que mais me surpreendia. Ele era livre, leve e veloz como o mais veloz dos trompetes, escorregadio como o mais liso dos clarinetes, corrias pelas cordas com a rapidez de um velocista e a imaginação de um poeta. Era ligeiro como um gato. Músicas como Nuages e Nocturne me tiravam da minha casa em Indiana e me transportavam pelo oceano até Paris, onde as pessoas bebiam vinho imersas no jazz mais romântico que este mundo já ouvira.

Eu amava a alegria e a leveza da música de Django sua liberdade de fazer o que sentia. Estava na cara que se tratava de um cigano. Sua guitarra era tremendamente sensual, sua atitude do tipo nada-pode-me-deter, inspiradora. Pouco me importava que fosse um milhão de vezes melhor do que eu tecnicamente. Sua música fortalecia uma idéia acariciada em meu coração - a guitarra é uma voz como outra qualquer. A guitarra é um milagre. As cordas e os trastos revelam a personalidade de um ser humano único, seja um cego do Texas ou um cigano da Bélgica.



KING, Riley B., em "B.B. King - Corpo e alma do Blues"
Cap. 9, "A cidade é como uma mulher" (p. 84/85)
Editora Ática, 1998

Uma noite para ficar na memória

foto de William Gottlieb


"A 30 de janeiro de 1938, o Quinteto estreou com entusiástica acolhida no Teatro Cambridge de Londres. Semanas depois, os músicos dividiram os aplausos com Tom Mix, famoso ator do cinema mudo."

- Andrew Rust



por Marcio Beck


É uma noite que nunca vou esquecer. Suponho, agora quando olho para trás, que foi uma noite realmente histórica. Eu a adorei, mas gostaria de ter prestado mais atenção na época, para que pudesse me lembrar de mais.


A frase não é de um personagem particularmente famoso no mundo da música. Não é citação vinda artigo de crítico de música nem historiador do jazz. É a palavra de um simples senhor de 89 anos que presenciou, naquela noite de domingo, uma das inspiradas apresentações do Quinteto do Hot Club da França. Sidney Baxter, o espectador em questão, é pai de Roger Baxter, que se definia modestamente como "um guitarrista amador de pouco mais de 60 anos, inglês de Warwickshire". Conheci-o virtualmente em 2000, por meio da lista de discussão GypsyJazzGuitar, abrigada pelo Yahoogroups.

Participei do grupo por meses, como completo leigo tanto em jazz quanto em Django Reinhardt. Em uma das discussões da lista, no início de minhas pesquisas, em março de 2001, Roger mencionou que seu pai assistira a uma apresentação de Django com o Quinteto, na Inglaterra, no fim da década de 30. Enviei-lhe um e-mail particular pedindo o favor de transmitir ao pai algumas perguntas. A primeira resposta que recebi foi bastante rica, mas ainda abusei de sua boa vontade e solicitei detalhes, sendo também prontamente atendido.

Em 1938, quando viajou de trem por várias milhas – de Gravesend, Kent, até Londres – Sydney Baxter tinha 25 anos. A viagem, por si só, "já era uma aventura naquela época", lembra seu filho, e ele ainda levou a esposa Janet, seis anos mais nova, para assistir à apresentação. Mais de seis décadas após o show, sua primeira impressão, curiosamente, é sobre a aparência e a maneira como os integrantes do Quinteto se dispunham no palco, não sobre as músicas.

Eles usavam ternos e pareciam muito espertos. Stephane ficava de pé à esquerda e ocasionalmente vagava levemente em frente aos guitarristas quando ele estava tocando um solo. As três guitarras ficavam em linha, com a de Django apenas um pouquinho à frente das outras duas. O baixista, Louis Vola, ficava atrás dos guitarristas. Eles tocaram duas sessões. Acho que cada sessão deve ter durado cerca de meia hora, mas era tão divertido que se perdia a noção do tempo.


A abertura, ele tem quase certeza, foi Djangology, cartão de visitas do grupo. Seguiram-se outros temas mais comuns em seu repertório, como Night and day, Daphné, Sweet Georgia Brown e a estonteante Mistery Pacific. Completo o set inicial, passavam a atender os pedidos da platéia, quaisquer que fossem. E não eram poucos. Cada sessão, pelos cálculos do meu entrevistado virtual, deve ter durado cerca de 30 minutos.

Eles podiam tocar qualquer coisa que as pessoas pedissem. Django olharia para Stephane, talvez diria umas palavras, e então eles seguiriam. Faziam parecer tão fácil. O público não os deixava ir. Eles simplesmente ficavam gritando por mais e eles tocaram vários números. Foi um excelente concerto informal, cheio de gente que obviamente adorava o estilo de Django e Stephane. Era uma atmosfera bastante feliz, quase aconchegante. Os dois pareciam pessoas muito amigáveis.


Guitarristas de expressão da época, como Eddie Lang, Carl Kress e Dick McDonough eram seus ídolos, até conhecer a música do "cigano Reinhardt". Depois, admite Baxter, todos passaram soar ultrapassados.

NOVIDADE

Era algo completamente distinto do que estava disponível na época em um mundo onde os saxofones, trumpetes, clarinetas e trombones davam as cartas, amparados por baterias e pianos; à guitarra era reservado um papel de mera sustentação rítmica da melodia. Daí o impacto que um solista nato como o cigano belga causava. Django Reinhardt foi o primeiro entre os jazzistas a tornar o instrumento, como afirmou B.B. King, "uma voz como outra qualquer".

Na época, as coisas que ele fazia com a guitarra pareciam completamente impossíveis. Algumas pessoas pensavam que as gravações eram adulteradas de alguma forma; provavelmente aceleradas. E ele podia conseguir aqueles efeitos afinando a guitarra à sua maneira esquisita. Eu nunca tinha ouvido nada como aquela música antes. Era totalmente diferente. Django parecia ser simplesmente incrível e ninguém mais conseguia fazer coisa parecida com aquilo mesmo com todos os dedos.


Dizem os críticos e biógrafos que seu intenso magnetismo pessoal atraiu as atenções de artistas famosos na França. É uma das características mais exaltadas pelos que se dedicaram a escrever sobre ele, mesmo que nunca o tenham visto tocar. Sydney Baxter viu o seguinte:

A maior parte do tempo, Django ficava totalmente impassível. Parecia tocar como não houvesse mais ninguém além do Quinteto na sala. Não era como se fosse inamistoso, parecia uma pessoa afetuosa, mas estava simplesmente totalmente absorvido pela sua música. Parecia totalmente relaxado e dificilmente olhava para algo além da sua guitarra. Mas às vezes quando tocava algo realmente especial, olhava para a audiência dando uma piscadela, com um meio sorriso, como se a dizer ‘então, o que acharam disto?’. Ao fim de alguns números, quando a audiência estava gritando por mais, ele levantaria a cabeça e sorriria timidamente, obviamente satisfeito que tudo estivesse indo tão bem.


ADAPTAÇÃO

Não havia como deixar de notar, no entanto, a maneira diferente como o cigano era forçado a abordar a guitarra, diante da paralisia parcial de sua mão. Teve de criar uma série de recursos de digitação e adaptar outros já existentes.

Os dedos de Django pareciam flutuar sobre as cordas e quando ele estava tocando solos, seus dois dedos bons ficavam paralelos ao braço da guitarra, ao invés de transversais. Às vezes esses dois dedos se cruzavam de uma forma que é impossível fazer. Quando tocava acordes, ele de alguma forma grudaria seus dedos dobrados, aleijados, nas duas cordas menores, acho.


No e-mail, Roger abre parênteses para colocar em perspectiva o que ele acredita que seja um exagero do pai. Cita um anúncio da época para a gravadora Ultraphone publicado no livro Django's gypsies, de Ian Cruickshank, em que os dedos do guitarrista aparecem numa posição classificada por ele como inacreditável:

Meu pai insiste que Django cruzava de verdade os dedos daquela forma quando estava tocando. Eu acho mais provável que ele fizesse algo como trazer o dedo médio imediatamente acima do dedo indicador e então instantaneamente afastar o indicador enquanto pressionava o médio contra o braço da guitarra.


O Quinteto do Hot Club da França dividiu a noite no Cambridge com Os Irmãos Mills, Eric Siday, Reginald Leopold & Frenchie Sartrell e a Claude Bampton's Blind Orchestra. Tocaram Django, Stephane, Roger Chaput, Eugène Vees e Louis Vola. O evento foi organizado pela revista Melody Maker. A apresentação da noite de 31 de janeiro teve nove temas registrados: Honeysuckle rose, Sweet Georgia Brown, Night and day, duas versões para My sweet, além de Souvenirs, Daphne, Black and white e Stomping at Decca.

Qui est-ce?




Um cigano que aos 12 anos era considerado prodígio do banjo e, aos 18, teve de reaprender a tocar depois que um incêndio deixou sua mão esquerda parcialmente paralisada. Este era Jean Django Reinhardt, guitarrista que dominou parte significativa da cena musical parisiense nas décadas de 1930 e 1940. Sua singularidade como instrumentista e compositor gerou uma vertente essencialmente européia do jazz, baseada apenas nos instrumentos de cordas, e é considerado pelos mais importantes críticos o único europeu a ter influenciado significativamente os criadores do estilo.