Finalmente conseguimos instalar eletricidade em nossa casa em Indianola. Isso representou, para mim, principalmente, um rádio e um amplificador para a guitarra. O novo som de T-Bone não me saía da cabeça. Por mais que tentasse, não chegava nem perto dele. O mesmo acontecia com Django Reinhardt. Django era um guitarrista cigano belga que conhecia através de um colega do exército cujo navio tinha passado pela França; ele chegou dizendo que conhecera um músico fantástico. Esteve no Hot Club de Paris, onde Django estava se apresentando com o violinista Stephane Grapelli. Meu amigo trouxe alguns discos - aqueles 78 rotações grandes e fáceis de quebrar - embrulhados em papel de seda como se fossem jóias preciosas (e eram mesmo). Quando chegou no Mississippi, ele me mostrou. Eu não acreditei no que estava ouvindo.
Mais tarde, li que Django queimou dois dedos da mão esquerda em um incêndio de sua caravana. Esses dedos queimados se colaram no terceiro por uma membrana, de modo que lhe sobravam apenas dois dedos livres. As pessoas o chamavam de “Relâmpago de Três Dedos”, e era mesmo. Ele me pegou com a mesma força de Charlie Christian. Django era um mundo novo. Ele e Grapelli zuniam como demônios. A cadência era só o começo. As idéias de Django eram o que mais me surpreendia. Ele era livre, leve e veloz como o mais veloz dos trompetes, escorregadio como o mais liso dos clarinetes, corrias pelas cordas com a rapidez de um velocista e a imaginação de um poeta. Era ligeiro como um gato. Músicas como Nuages e Nocturne me tiravam da minha casa em Indiana e me transportavam pelo oceano até Paris, onde as pessoas bebiam vinho imersas no jazz mais romântico que este mundo já ouvira.
Eu amava a alegria e a leveza da música de Django sua liberdade de fazer o que sentia. Estava na cara que se tratava de um cigano. Sua guitarra era tremendamente sensual, sua atitude do tipo nada-pode-me-deter, inspiradora. Pouco me importava que fosse um milhão de vezes melhor do que eu tecnicamente. Sua música fortalecia uma idéia acariciada em meu coração - a guitarra é uma voz como outra qualquer. A guitarra é um milagre. As cordas e os trastos revelam a personalidade de um ser humano único, seja um cego do Texas ou um cigano da Bélgica.
KING, Riley B., em "B.B. King - Corpo e alma do Blues"
Cap. 9, "A cidade é como uma mulher" (p. 84/85)
Editora Ática, 1998
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