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terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Prova de amizade

Um papel timbrado do Hotel Henry Hudson, de Nova York, cheio de garranchos em francês, é possivelmente a maior prova da amizade de Django Reinhardt e seu eterno parceiro musical, Stéphane Grappelli.

Em plena excursão pelos Estados Unidos como convidado da orquestra de Edward Duke Ellington, consagração de sua carreira, Django decidiu compartilhar as novidades com Stéphane. No dia 5 de dezembro, pegou uma folha com a caravela estilizada que servia o selo do hotel - localizado na Avenida 57, número 353 - e escreveu uma pequena carta, de menos de 300 palavras.

No documentário A century in the jazz life, Stéphane foi categórico sobre a relação dos dois: "Se eu tive um amigo na vida, foi ele". No filme, Grappelli também conta como Django quase atrapalhou a assinatura do primeiro contrato do Quintette para uma excursão pela Inglaterra, em 1938, ao implicar com uma cláusula do contrato que previa o pagamento da hospedagem pelos contratantes.

Até então, Django aprendera apenas a garatujar o próprio nome, mas não gostava da ideia de ser deixado de lado das negociações por escrito. Stéphane sentiu que o amigo precisava de mais do que isso para não se meter em confusão e lhe ensinou o básico do idioma.

O líder do HOT CLUB DO BRASIL, Benoit Decharneux, também nascido na Bélgica, ficou comovido com o provável esforço do guitarrista para redigir a mensagem, reproduzida no livro Django Reinhardt - Rhythme futurs, de Alain Antonietto e François Billard. Decidiu então traduzi-la e enviá-la aos companheiros da banda.

"Esta carta mostra o carinho que o Django tinha pelo seu parceiro e amigo Stéphane Grappeli. O texto tem erros grosseiros, mas é possível compreender o sentido das palavras. Demonstra que Django não era totalmente analfabeto. Ele escrevia como uma criança que ainda não teve aulas de ortografia e gramática", analisou Benoit, a pedido do DJANGOLOGIA.

Solicitei ainda que ele especificasse um pouco estes erros de francês. Em vez de "c'est" (é), Django escrevia "sais" (sei); em vez de "mots" (palavras), "maux" (males). Praticamente não há vírgulas ou pontos e ele repetia muito a palavra "alors" (então), um aparente vício de linguagem. Outros equívocos, como as grafias dos nomes das cidades da excursão e a inclusão do Canadá na lista, são óbvios mesmo para quem não domina o idioma.

Abaixo, seguem os textos traduzido e original da carta. Foram mantidos o estilo original e as grafias usadas por Django.


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A CARTA A GRAPPELLI

5 dez 1946

Meu caro Stéphane, eu te escrevo duas palavras, para te dizer que os negócios vão magnificamente bem aqui. Você me desculpe por não ter escrito mais cedo mas estando em turnê eu não tinha tempo. Em New York, todo mundo está esperando por você e perguntam quando você vem então eu respondo que muito em breve. Todo mundo está encantado e logo que cheguei eu me informei sobre trazer o Quinteto, mas disseram que é impossível então parei de falar sobre você. Eles são muito duros mas tudo vai dar certo, talvez demore um pouco mas você virá aos EUA meu caro Stéphane. Eu não tenho mais grandes novidades para te contar então vou te descrever a turnê. É formidável, nós temos um 'pullman' para a orquestra, todos os músicos estão deitados. Duke e eu temos um pequeno living room com duas camas. Duke é um grande músico, frequentemente depois dos concertos Duke escreve música no living room então é maravilhoso, formidável. Duke acaba de escrever uma grande ópera. É uma loucura. Eu vou te dizer algumas cidades. Bufalo, Claivelan Kasas Citi Cinsinati Chicago Detroit Philadelphia Pétersburg Norkfolk Rochester Toronto Canadá Toledo Omaa Ohio San Francisco Lincoln. Enfim eu percorri bastante, e isso é apenas a metade, não me lembro das outras cidades, então você tem noção do trabalho. Meu caro Stéphane você me desculpe pelos erros de ortografia mas eu espero que você consiga compreender. Conte bem as coisas a Georgette, você sabe, a pequena do jornal Musical Express.

Até breve

D Reinhardt



TEXTO ORIGINAL

Mont'cher Stéphane, je técris sais deux maux, pour te dire que les a faires vons magnifiquement bien. Isí, tu méscusera si je té pas ecrit plus vite étante en tournés je navai vraiment pas le tent. Lésons sais chose la de cotès. A New York tu è trés adendu tous le monde meuq demandes can viendratu alors moi je leur repons que tu viendra biento. A lors tous lemonde è ravis. Mais quélque jour aprés mon a rivèr. Je me suis informés pour le Quintétte. A lu nion il mon di que sais inposible. A lor je me suis di sais pas la péne de trot leus parlés de toit. Il son très dur mais tou ca renjera quanméme. Ca durera petétre lontent mais tu viendra aux USA mon chèr Stéphane je. Ne vois plus grand chose a te dir mintenant je vais te décrire a la vites e la tournes. Sais formidable nous avons un pulmmane pour l orchèste. Tous les musicies sons couchèt et Duke et moi nous avons un petit livig room a deux lits. Duke sais le plus grand musicien. Souven a prés le concèr Duke écri la musique dans le petit livig room. Alor sais mèrvèlles sais vraiment formidable Duke vien déscritre un grand opéra. Sais sous enfin je vais te dirles quelque villes. Bufalo, Claivelan Kasas Citi Cinsinati Chicago Boston Detroit Philadélphia Pétersburg Norkfolk Rochester Toronto Canada Toledo Omaa Ohio San Francisco Lingcol enfin jais parcouru pa mal èt ce né que lá moitis je meux rapéle plus des villes. A lor que tu te renconte du travalle. Mon chèr Stéphane tu mescusera encore une foit de plus pour locotograf mais jéspére que tu conpradrai. Di bien des chose Georgette tu sais la petit du journales Musical Express

A biento

D. Reinhardt