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domingo, 25 de julho de 2010

A era esquecida de Django

Na turnê nos EUA, em 1946


por Wayne Jefferies


Quando Django Reinhardt e seu quinteto estouraram na cena de jazz no fim de 1934, o impacto no desenvolvimento da guitarra foi colossal. Ele sempre será lembrado por suas realizações na guitarra acústica e muito justamente. Mas é geralmente esquecido que ele gravou em uma variedade de formatos além do famoso quinteto, incluindo vários combos modernos, durante os últimos cinco anos ou tanto de sua vida. Suas gravações deste período foram principalmente na guitarra elétrica ou acústica amplificada, e têm sido muito freqüentemente ignorados. Espero reajustar a balança corretamente.

Muitos falham em reconhecer Django em suas gravações mais tardias; em parte porque elas o associam com a guitarra acústica somente e em parte por causa da diferença na maneira que ele toca. Mas o estilo de Django não mudou simplesmente da noite para o dia quando ele descobriu a guitarra elétrica. Seu estilo se desenvolveu e amadureceu gradualmente. A vasta maioria de suas gravações mostram uma grande imaginação, um senso inato de musicalidade e, talvez especialmente evidente em suas primeiras gravações, uma completa maestria da técnica.

O trabalho de Django nas primeiras gravações do Quinteto é tão incrível que é mais do que um pouco ousado. Posso somente imaginar como deve ter sido para os músicos da época, especialmente guitarristas! Este extrato de “A história da guitarra no jazz”, de Norman Mongan, resume muito bem:

“A versão do Quinteto para Sweet Sue gravada em 1935 tem Reinhardt jogando tudo para cima do ouvinte: double-tops semelhantes aos chineses, harmônicos, relampejantes corridas multi-notadas, a herança Manouche presente nos acordes com tremolo e cordas únicas. Ele joga as oitavas e rápidos glissandi em um estilo ocupado, profuso, indutor. Django tinha tudo”.

Uma das críticas feitas ao trabalho de Django pelos puristas do jazz têm sido os sobretons ciganos em seu estilo. Considerando os antecedentes de Django, é inevitável que algum deste sabor tenha vindo à tona. De fato, isto contribuiu para seu estilo altamente original que era muito novo lá atrás no começo dos anos 30.

É claro que “Django Style” é bastante comum hoje, e “Gypsy Jazz” tem se tornado um estilo aceito por si só, apesar de ser ainda às vezes desprezado por puristas. Por razões diferentes, eu mesmo evito o uso do termo Django Style porque ele implica que a era do Hot Club e o início-e-o-fim da música de Django. Tendo dito isto, é fácil ver porque isto teve um tremendo impacto.

No entanto, o elemento cigano no estilo de Django desapareceu gradualmente e tão cedo quanto 1939, seu estilo estava começando a se mover adiante. Ouvindo a tais gravações como Sweet Georgia Brown, Honeysuckle Rose, Twelfth Year e sua imortal interpretação de I’ll see you in my dreams, e comparando-as com alguns de seus trabalho mais antigos, ele tinha, de uma certa forma, eliminado algumas coisas de seu sistema nesta época. Seu estilo ainda retém sua exuberância única, e sua formidável técnica é ainda óbvia, mas há um sentimento levemente mais balanceado.

Durante os anos 30, Django estava na linha de frente do desenvolvimento da guitarra no jazz. Seus discos haviam começado a chegar à América, e muitos grandes músicos americanos viajavam para a França para gravar com ele, espalhando a notícia deste incrível músico em seu retorno aos Estados Unidos. Quem sabe que efeito ele poderia ter causado no Be-Bop na América durante os anos 40, se tivesse condições de chegar lá, mas justamente quando ele estava no seu auge, sua carreira foi radicalmente afetada pela deflagração da guerra. Cortado do caldeirão efervescente do Be-Bop por seis anos, ele não esteve a par dos desenvolvimentos do jazz moderno até que estes já estivessem bem avançados. Nesta ocasião, o principal inovador da guitarra do movimento – Charlie Christian – tinha morrido de tuberculose há quatro anos!

No entanto, durante os anos da guerra, a música de Django continuou a se desenvolver. Durante este período, Django produziu algumas gravações memoráveis incluindo muitas de suas composições próprias, como Manoir de mes rêves, Douce ambiance e a clássica Nuages. Uma sessão de gravação particularmente boa veio logo após a guerra, em Londres, janeiro de 1946, na qual oito grandes cortes foram feitos. Reunido com Grapelli e apoiado por uma seção rítmica inglesa, ele produziu alguns de seus melhores trabalhos na guitarra acústica. Ele parece estar transbordando de idéias, ainda faiscando com graça e trovejando de energia, mas soando muito sólido e maduro. Seu controle da dinâmica é magistral nesta sessão, construindo a tensão e a liberando maravilhosamente em Nuages, passando sem esforço em Liza, e novamente em um rompante imaginativo através de Belleville. Ele até sopra vida na banal Coquette, fazendo-a soar como o mais maravilhoso tema! A original de Melodie au crépuscule está aqui. Este belo tema é uma obra de arte, e o solo de Django é belíssima.

Ao fim da guerra, gravações dos EUA começaram a filtrar através da Europa e, em 1946, Django finalmente foi para a América ouvir os desenvolvimentos do “novo” jazz em primeira mão. Foi aqui que Django tocou uma guitarra elétrica pela primeira vez. Ouvindo às poucas faixas gravadas com Duke Ellington, soa como se Django tivesse também conseguido se apossar de um bom amplificador no dia. Ele tem um tom singularmente grande, mas muito pouco da distorção que é característica de suas primeiras tentativas de gravar com uma guitarra elétrica. Muitas destas gravações apareceram durante 1947, o resultado de uma amplificação pobre e a técnica agressiva de Django. Ironicamente, este som se tornou aceito nos círculos de admiradores de Django, e alguns músicos se desviam de seu caminho especificamente para imitá-lo.



Entre 1946 e 1949, as gravações de Django se alternaram entre a guitarra elétrica e a acústica, mas seu estilo musical continuou a se desenvolver. Muitas de suas composições desta época – como Diminishing blackness e Micro – refletem a crescente influência do Be-Bop. De fato, a oitava média de Moppin’ the bride poderia ter sido escrita pelo próprio Charlie Parker!

Por 1949, a influência do Be-Bop em no estilo de Django é óbvia. Ouça qualquer uma das famosas “Sessões de Roma” ou a gravação de 1950 com André Ekyan – Reinhardt faz tanto Grapelli quanto o saxofonista André Ekyan parecerem datados. Nesta época, Django estava indo exclusivamente para um som elétrico. Ironicamente, foi durante este período que ele acoplou uma pickup barra elétrica a sua Macaferri, e foi capaz de produzir um tipo de som limpo mais archtop. De fato, ele uma vez se referiu às guitarras elétricas na América como “panelas de latão”. Mas ele queria o som elétrico/archtop e obviamente saiu de seu caminho para consegui-lo.

Para mim, o melhor material do período moderno de Django foi entre 1951 e sua morte em 1953. Cedo em 1951, armado com sua Macaferri amplificada – que ele usou até o fim – ele juntou uma nova banda dos melhores jovens músicos de Paris; incluindo Hubert Fol, um altoísta nos moldes de Charlie Parker. Apesar de Django ser vinte anos mais velho do que o resto da banda, ele estava completamente no comando do estilo moderno. Conquanto seus solos se tornassem menos cordais e suas linhas mais semelhantes a Christian, ele reteve sua originalidade. Sua técnica infalível, suas improvisações ousadas, “no limite” combinadas com seu vastamente avançado senso harmônico o levaram a alturas musicais que Christian e muitos outros músicos de Bop nunca chegaram perto. Os cortes ao vivo no Club St. Germain, em fevereiro de 1951 são uma revelação. Django está no auge da forma; cheio de novas idéias que são executadas com incrível fluidez, linhas angulares cortantes que sempre retém aquele feroz balanço. Mais novas composições apareceram, como Double whiskey e a brilhante Impromptu da qual uma versão desconcertante foi gravada em maio de 1951. Este é um tema tremendamente excitante que eu nunca ouvi ninguém tentar tocar. Ele apresenta grandes solos da banda toda e Django deixa bem claro em sua composição de acordes que ela é baseada na seqüência de Things to come de Dizzy Gillespie, fazendo-o parecer fabulosamente como a big band de Gillespie! Gillespie também usou esta seqüência de acordes mais tarde para Be-Bop.

Infelizmente, Django não gravou muito em 1952*, mas ele cortou quatro grandes temas em janeiro. O apropriadamente intitulado Keep cool de Hubert Fol e três temas de Django – um arranjo moderno para sua composição de 1949 Troubant bolero, a memorável Nuit de St. Germain de Près – um tema estalado de bop, popular nos círculos de admiradores de Django, mas de outra forma tristemente não escutado e finalmente outro tema subestimado que é raramente tocado mesmo nos círculos de admiradores de Django: Fleche D’Or. Há um traço de ornitologia na melodia e um solo impressionantemente moderno de Django. O tema termina com um dramático coda de guitarra solo. Um de meus grandes favoritos, mas dificilmente alguém mais sequer ouviu falar!

Django morreu na noite de 15 de maio de 1953**, mas no ano final de sua vida ele produziu música de verdadeira qualidade. Uma favorita pessoal é Anouman da sessão de 30 de janeiro. Depois de uma introdução reflexiva de piano por Maurice Vander, a melodia agridoce é tocada com grande poise por Hubert Fol no alto. Reinhardt assume a oitava média, terminando seu solo em um arpégio de tríade aumentada soando fantasmagórica. Uma peça de música assombrosamente bela.

A sessão de 10 de março produziu oito clássicos absolutos, incluindo discutivelmente sua melhor versão de Nuages. Apesar de alguns bons balanços em Night and day e Brazil, toda a atmosfera desta sessão é de alguma forma permeada com grande melancolia. Evidente em todas as faixas está uma estranha mistura de tristeza, beleza e profundidade. Manoir de mes rêves tem um ar de quieta aceitação. É bastante pacífica, mas ao mesmo tempo há uma qualidade quase insuportavelmente desoladora nela. Como Norman Monyan observou, “é quase como se ele soubesse que o fim estava chegando”.

A sessão final de gravação de Django teve lugar em 8 de abril de 1953, e produziu as quatro gemas finais. Ela abre com a contemplativa Le soir, mas Chez moi aumenta o tempo com um sentimento alegre e I cover the waterfront novamente demonstra sua maestria da balada moderna. A declaração final de Django legada à cera foi Deccaphonie***, uma improvisação em doze compassos, acima do andamento, moderna até para os padrões de hoje. Um epitáfio adequado, talvez.

Talvez com um pouco mais de tempo Django teria sido aceito como um guitarrista moderno. Como era, muitos de seus fãs lhe perguntavam, “por que você não toca como costumava fazer com Grapelli?”. Quão entristecedor deve ter sido para este grande homem, de uma maneira snared pelo seu gênio passado, que só queria se expressar através da música que ele amava e sentia. A influência de Django na América poderia ter sido bem maior com outra tentativa pela América. Mas não era para ser. No entanto, seu lugar na história do jazz está assegurado, e para muitos ele irá continuar a ser o maior guitarrista que já viveu.


Tradução Marcio Beck



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NOTAS DO EDITOR :

* Em 1952, Django gravou oito temas.

** Ele morreu por volta das 16 horas do dia 16 de maio de 1953, não na noite do dia 15.

*** Na última sessão de gravação, foram registradas duas versões de Deccaphonie. Foi a única da sessão em duplicata.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

Agradecimento

Interrompemos a programação do blog DJANGOLOGIA para um comunicado especial:

A todos os que têm acompanhado, nestes últimos dois anos, minhas esforçadas tentativas de trazer para nosso idioma informações sobre um estilo musical de tamanha riqueza, surgido a partir de um personagem tão peculiar, deixo registrado meu agradecimento. Em destaque, além de todos os comentaristas dos posts, aos primeiros seguidores do blog: Gustavo e Mauro Albert.

A todos os que gostariam, de alguma forma, de contribuir com o conteúdo, deixo registrado o convite para entrarem em contato por e-mail. A colaboração será bem-vinda.

Atenciosamente,

O Editor

Voltaremos agora à programação normal do blog DJANGOLOGIA. Obrigado.