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segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

O doce hino de um tempo amargo



por Marcio Beck

O clima melancólico e suave de Nuages a tornou, segundo os djangólogos, o "hino substituto" da França durante os anos da ocupação nazista. Quase inacreditável que tenha sido composta em um contexto de bombardeios, invasões e inclusive perseguições – ciganos também eram mandados para campos de concentração.

Segundo os biógrafos Michel Dregni e Alain Antonietto, foi mostrada ao público – ao vivo – pela primeira vez em 21 de setembro de 1941, no 2º Festival Swing, realizado pelo Hot Clube de France na Salle Pleyel (espécie de Carnegie Hall parisiense da época). O resultado foi estrondoso:

A multidão não o deixava começar a música seguinte, forçando-o a parar e tocar mais uma vez a nova melodia. E então, tocar de novo. Ao todo, ele executou Nuages três vezes em seguida, e o público ainda não estava satisfeito. Mais de 100 mil cópias dos [discos de] 78 [rotações] foram subseqüentemente vendidos.

Nos 13 anos seguintes, até sua morte, em maio de 1953, gravou 13 versões do tema, que se tornou um dos poucos standards de jazz compostos por não-europeus.

A gravação original data de 13 de dezembro de 1940. Nela, Django é acompanhado na melodia e nos solos pelo recém-descoberto substituto de Stephane Grapelli (que se instalara na Inglaterra após o início da Segunda Guerra), o clarinetista Hubert Rostaing. O irmão, Joseph, faz a guitarra rítmica e há ainda o saxofonista-prodígio Alix Combelle.

Em 1942, durante uma excursão à Bélgica, teve a oportunidade de tocar com uma big band, Stan Brenders et son Grand Orchestre, e se deliciou. No dia 8 de maio, entrou no estúdio para registrar uma versão mais adocicada, turbinada pela seção melódica com três trumpetes, dois trombones, três clarinetas, dois sax alto, três sax tenor, um sax barítono, quatro violinos e piano, além de baixo e bateria no ritmo.

Nesse ano, ganhou também versão com letra, pelas mãos da chansonnier Lucienne Delyle, esposa do trompetista Aimé Barelli, que tocava ocasionalmente com a nova formação do Quinteto. A gravação foi feita em 7 de julho, com orquestra regida pelo maestro Jacques Métehen.

A reunião com Grappelli em Londres, em 1946, não trouxe a dupla de volta full-time, mas rendeu duas novas versões de Nuages, registradas nos estúdios da Decca no dia 1º de fevereiro daquele ano. Os dois franceses são acompanhados por seção rítmica inglesa: Jack Llewellyn e Allan Hodgkiss (guitarras) e Coleridge Goode (contrabaixo).

Começava a época de experimentalismo com formações menores e diferentes do som do Quinteto – baseado na batida das guitarras rítmicas – do qual queria se distanciar artisticamente. Acompanhado pela clarineta de Maurice Meunier e o piano de Eddie Bernard, registrou mais uma ‘encarnação’ de Nuages em programa para a Radiodiffusion-Television Française (RTF), no dia 25 de agosto de 1947. Completando a formação, o primo Eugéne Vèes (guitarra), Emmanuel Soudieux (baixo) e Jacques Martinon (bateria).

No ano seguinte, novamente, há duas versões gravadas, ambas valiosíssimas. A primeira, no Festival de Nice, em 28 de fevereiro, também transmitido pela rádio RTF. Nela, toca novamente ao lado de Grappelli e dois guitarristas rítmicos: o irmão Joseph e o ‘primo’ cigano Challain Ferret, além do baixo de Soudieux. Na segunda, um concerto de data não-especificada em dezembro, no Theatre des Galeries, em Bruxelas, Django aparece ao lado do filho primogênito, o também guitarrista Henri Louson Baumgartner, além do fiel escudeiro Rostaing, o baixista Louis Vola e o baterista Arthur Motta.

Em Roma, em 1949, Django experimentou uma formação minimalista com os instrumentistas locais: Gianni Safred (piano), Marco Pecori (baixo) e Aurelio de Carolis (bateria). Nos estúdios da Radio Audizioni Itália (RAI), ao longo de janeiro e fevereiro, registraram duas novas versões de Nuages. Em 1950, voltou à RAI, mas com o clarinetista André Ekyan, o pianista Ralph Schecroun, o baixista Alfred Masselier e o baterista Roger Paraboschi. Em abril e maio, nova seqüência de gravações, e uma nova Nuages.

Em 1951, novamente, duas versões. A primeira, gravada no Club Saint Germain-des-Près, local da moda em Paris. Nesta, predominam novamente os metais, como o trompete de Bernard Hullin e o sax alto de Hubert Fol. O irmão de Hubert, Raymond, toca piano, o baixista Pierre Michelot e o baterista Pierre Lemarchand completam a formação. Consta ainda um take solo tirado para uma trilha sonora de filme, não-especificado.

A derradeira ‘nuvem’ passou diante dos olhos de Django dois meses antes de sua morte. A 10 de março de 1953, ainda empolgado com os resultados da formação piano-baixo-bateria, convocava Maurice Vander, Pierre Michelot e Jean-Louis Viale para gravar para o selo Blue Star como Django Reinhardt et ses Rhythmes.

Talvez seja a mais melancólica de todas as encarnações da melodia. Curiosamente, trata-se da versão de andamento mais lento e de maior comedimento no solo por parte de Django. Destaca-se ainda mais pelo acompanhamento sutil, muitas vezes praticamente inaudível, tornando-a quase um solo de inspiração no bebop.

O mestre do violão clássico Julian Bream foi um dos muitos artistas que deu sua versão ao tema, ao longo das últimas décadas, sozinho e ao lado de Stephane Grappelli.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Palavra de prodígio

Gravando - Os bastidores da música

No fundo, sempre serei um músico.

A música faz parte da minha vida desde os meus 3 anos de idade, quando vi um cigano tocando violino num restaurante, em troca de algumas gorjetas. Algo nele me fascinou, e fiquei tão louco por aquilo, que meus pais correram a uma loja e compraram um violino de brinquedo. Eu me encantei com o violino e, aos 4 anos de idade, já estava tocando o instrumento de verdade e estudando música clássica com o maestro de uma orquestra sinfônica.

(...)

O jazz, mais do que qualquer outro gênero musical, tem sido um tema constante em minha vida e em meu trabalho.

Para um aluno de música clássica, jazz era o fruto proibido, mas eu era rebelde. O jazz se tornou meu nirvana musical: o supra-sumo da confluência de melodia, ritmo e expressão musical desenfreada. Embora meus professores formados em música clássica me desencorajassem, eu queria que meu violino vagasse pelo mundo do jazz, como fizeram Stephan
(sic) Grappelli e Django Reinhardt. Comecei a tocar em pequenos clubes na Rua 52, o que despertou a ira dos meus professores na Julliard, que não tinham escrúpulos em expressar o seu desprazer.

- Phil Ramone, produtor musical ganhador de 14 prêmios Grammy, em Gravando - Os bastidores da música (Guarda-chuva, 2008)