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domingo, 27 de abril de 2008

O jazz em França




Porque é que a França forneceu tão grande número de bons músicos de jazz? - Antes da guerra: Alix Combelle, Django Reinhardt, Stéphane Grapelly - O Harlem em Montmartre - Depois da guerra: Nova Orleães em Saint-Germain-des-Prés - Guy Longnon, Claude Bolling André Persiany, Guy Lafite.

(…) O caso de Django Reinhardt é muito diferente, e é sem dúvida excepcional. Se o consideramos como um músico francês é porque a sua carreira toda se fez quase inteiramente em França (só foi uma vez aos Estados Unidos). Mas Django nasceu numa roulotte na Bélgica, em 23 de janeiro de 1910, era de origem cigana, e esta raça misteriosa tem algumas afinidades com a raça negra, não só pelos seus dons musicais, como pelo desprezo pelo que será o dia seguinte e pelo gosto por uma vida liberta das convenções correntes.

Ainda muito novo, Django Reinhardt começou por aprender violino; depois, sendo atraído pela viola, tornou-se um virtuose deste instrumento, de tal modo que os ciganos tinham por hábito ir ouvi-lo à porta de sua roullote, instalada às portas de Paris. Um terrível acidente esteve quase a acabar prematuramente com a sua carreira: um dia, quando dormia, pegou-se fogo à roullote e ficou com o corpo horrivelmente queimado. Conseguiu salvar-se, mas perdeu completamente a possibilidade de mexer dois dedos: o anelar e o dedo mínimo da mão esquerda - aquela que usam os violas para modificar a tensão das cordas, e, portanto, os sons.

Django ficou perto de seis meses sem poder tocar violão. Posteriormente retomou-a, inventou um novo processo de dedilhar adaptando às possibilidades da sua mão atrofiada e voltou a tocar bem como dantes - quer dizer, com mais velocidade que qualquer outro violonista!

Nessa altura, tinha descoberto o Jazz e a sua enorme reputação atraiu a atenção dos músicos profissionais. Um deles, o sax-clarinetista André Ekyan, contratou-o para sua orquestra; para se assegurar de que Django cumpriria o contrato, Ekyan ia todos os dias buscá-lo à roulotte e levava-o a Paris.

Em 1934, Django Reinhardt e Stéphane Grapelly fundaram o Quinteto do Hot-Clube de França, que foi o primeiro conjunto de Jazz europeu de grande valor e o primeiro, na história do Jazz, composto unicamente por instrumentos de corda: a viola de Django, o violino de Grapelly, um contrabaixo e duas violas de acompanhamento. O êxito do Quinteto foi considerável, tanto junto do grande público quanto dos amadores de Jazz. O primeiro ficou agradavelmente surpreso por ouvir uma orquestra de Jazz pouco barulhenta, cuja sonoridade não chocava o ouvido tanto como a dos grandes conjuntos onde predominavam os metais; os segundos encontraram no arco de Grapelly frases concisas e bem “swingadas”, inspiradas nas de Louis Armstrong, enquanto Django conseguia, ora um suporte rítmico suave e poderoso, ora solos de uma verve inventiva extraordinária, com desenvolvimentos tão lógicos e imprevistos quanto os de um Benny Carter ou de um Coleman Hawkins.

Django era ao mesmo tempo um virtuose inigualável, um acompanhador sem par e um improvisador prodigioso. A plenitude de sua música, o seu swing e a solidez do seu temperamento permitiam-lhe substituir sozinho toda a secção rítmica, incluindo a bateria. Pode-se verificar isto ouvindo os discos que gravou, em 1939, com Rex Stewart e dois outros músicos da orquestra de Duke Ellington, discos em que não se sente nunca a falta da bateria. É de nota que Django suscitou o entusiasmo de todos os músicos negros que tiveram ocasião de o ouvir, ou, melhor de tocar com ele, e dos maiores, como Eddie South, Dicky Wells, Rex Stewart, Coleman Hawkins e Benny Carter.

Improvisador, a abundância das suas idéias parecia inesgotável. De princípio, o seu estilo tinha umas ligeiras influências ciganas, mas muito rapidamente passou a exprimir-se na mais pura linguagem do Jazz, imprimindo-lhe sempre a sua marca própria, tão original. Por fim, foi um admirável compositor, não no sentido clássico do termo, visto que não sabia ler nem escrever música, mas como criador de melodias maravilhosas (e mesmo arranjos), que ditava tocando-as à viola.

Na sua maneira de viver, Django usava da mesma saborosa fantasia que na sua música. Desinteressado, não tendo nenhum cuidado de “fazer carreira”, chegou a romper contratos dos mais lucrativos simplesmente porque estava bom tempo e gostava mais de respirar ar puro, ver as árvores e os regatos que de tocar na desagradável atmosfera dos cabarés.

Foi no campo que morreu, de uma crise cardíaca, a 16 de maio de 1953. Os seus discos, felizmente, ficaram, razão pela qual viverá enquanto houver sobre a Terra homens capazes de apreciar as maravilhas do seu talento espontâneo.




PANASSIÉ Hugues, in "História do verdadeiro Jazz".
Capítulo XIV (p. 227/230); Portugália Editora, Lisboa, 1966 (Tradução e notas de Raul Calado)
Original:
Histoire du vrai Jazz, Éditions Robert Laffont, Paris

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