Pesquisar este blog

domingo, 27 de abril de 2008

O fogo criou um gênio

Poster de Django vendido na década de 1940


por Marcio Beck

O incêndio na caravana de Jean Django Reinhardt e Florine Bella Mayer, sua primeira esposa, na madrugada de 26 de outubro de 1928, interrompeu bruscamente o que já prenunciava ser uma carreira sólida de guitarrista. Desde abril, Django vinha gravando regularmente, acompanhando os acordeonistas Jean Vaissade e Maurice Alexander.

O repertório não passava sequer perto do jazz que conhecera na Rua Pigalle, assistindo a Billy Arnold's Novelty Jazz Band tocar no restaurante Abbayè de Thélème. Eram fox trots (Ma regulière, Au pays de l'Hindoustan), valsas (Amour de Gitane, Griserie) e até uma "marcha americana" (Miss Columbia).

Foram cinco sessões de gravação, total de 17 músicas, em cerca de seis meses. Dada a precariedade sistemas de gravação à época. Mesmo sendo relegado a um papel de menor destaque na música, Django se sobressaía com a criatividade das frases e a velocidade impressionante na digitação das notas, fruto da prática contínua desde os 9 anos.

O banjoísta/guitarrista prodígio chamara a atenção do bem-sucedido band leader inglês Jack Hylton. Segundo o pesquisador Michel Dregni, horas antes do incêndio, Hylton fora à boîte La Java, onde Django apresentava-se com Maurice Alexander num baile de musette (música dançante típica da época na França), e o convidara a se juntar à banda.

Os principais biógrafos divergem quanto aos detalhes. Charles Delaunay afirma que Django teria acordado no meio da noite, sobressaltado com o barulho provocado por um rato, e derrubado uma vela. Michel Dregni atribui o incidente a Bella. De qualquer forma, Django usou a mão esquerda para segurar um cobertor e proteger a esposa, grávida de nove meses, até saírem do inferno repentino que se tornara a carroça.

Como resultado, a mão ficou severamente queimada e só foi salva graças a uma operação realizada em clínica particular, paga pelos sogros, em 23 de janeiro de 1929 – seu 19º aniversário. A perna esquerda e o lado esquerdo do tórax também apresentavam danos sérios pelo fogo, e ficariam cobertos de cicatrizes.

No Hôpital Lariboisière – curiosamente, o mesmo onde nasceu o parceiro violinista Stéphane Grapelli –, em que foi admitido como paciente nº 18763, queriam acabar com os problemas da maneira mais simples: amputando. A recuperação ao nível funcional da mão, com as novas restrições que foram impostas pelos danos aos tendões e músculos, só ocorreu em fins de 1930.

Nesse meio tempo, foi abandonado por Bella, que levou o filho recém-nascido do casal, Henri. Reencontrou-se com a paixão do início da adolescência, Sophie Irma Naguine Ziegler, com quem foi morar. Django voltaria a gravar no ano seguinte, com o acordeonista e baixista Louis Vola e sua Orquestra do Lido de Toulon, cidade para a qual os irmãos Reinhardt haviam viajado em busca de novos ares.

Mesmo já tendo sido devidamente apresentado ao jazz pelo poeta e pintor Émile Savitry – que mostrara a ele e ao irmão, Joseph Nin-nin Reinhardt, discos de Duke Ellington e Louis Armstrong – Django gravaria ainda mais valsas e tangos antes de embarcar, em 1934, na aventura dos playboys parisienses Charles Delaunay, Hughes Panassiè, Jacques Bureau e Pierre Nourry: o Quinteto do Hot Club da França.

Nenhum comentário: