Trata-se de algo muito auspicioso - como se dizia antigamente - que as bandas de jazz cigano (jazz manouche, ou gypsy jazz) estejam proliferando no Brasil. Aos poucos, mas num movimento aparentemente crescente, estão encontrando espaços para se apresentar.
Ainda esta semana, fui surpreendido - com um dia de atraso, infelizmente - pela apresentação do Belleville Quarteto na Lapa (RJ), na noite de quinta-feira (9/12). Ao ver a referência sobre Django Reinhardt, um amigo que conhece o blog veio logo comentar: "Teve show de uma banda que toca o som daquele cara lá que você gosta..."
É, ainda se trata de um "gueto" musical. Mas é muito melhor que o nada absoluto que existia no fim de 1998, quando comecei a pesquisar o assunto. Pouquíssimas pessoas sabiam quem era Django Reinhardt, e a disponibilidade de música era mínima. Houve alguns LPs lançados na décadas de 1970 e 1980, como a série Jazzology, da EMI, que trazia cinco discos com os principais clássicos dos principais mestres do jazz, e Swing it lightly, album duplo com registros da fase eletrificada e bebopizada de Django.
Já conhecia - e recomendo - o Hot Club do Brasil, do camarada Benoit, e o pessoal do Hot Club de Piracicaba, além, claro, do Manuchiados. No começo de novembro, os dois primeiros, junto com a Traditional Jazz Band, promoveram um evento em São Paulo para comemorar o centenário de Django.
Infelizmente, não achei MySpace nem canal do Youtube do Belleville Quarteto. O grupo, de acordo com o site da casa de shows Santo Scenarium, é composto por Sérgio Danilo (clarinete), Samy Erick (guitarra), Pablo Passini (guitarra) e Gustavo Amaral (baixo). Se alguém localizar, emails para a redação do DJANGOLOGIA.
Apesar de achar muito auspiciosa - gostei do termo - essa propagação do estilo e o surgimento de eventos específicos, tenho duas observações, que se aplicam não só aos brasileiros, mas a muitas das bandas seguindo o estilo. Espero que sejam entendidas em um contexto construtivo. Não há intenção de ofender o trabalho de ninguém.
Django era fã de inovação. Queria estar sempre na vanguarda - ainda que isso lhe tenha sido dificultado por uma série de fatores ao longo da vida. Primeiro, as privações provocadas pela origem cigana, que de certa forma acabaram levando a sua escolha pelo musette e pelo java (estilos antigos de Paris) quando estes eram quase proibidos.
Sempre fascinado pelas novidades, aderiu ao hot jazz de Louis Armstrong, que só veio a conhecer cinco ou seis anos depois de seus primeiros sucessos, por sua origem pobre, não tinha dinheiro para importar discos, como faziam os garotos bem-nascidos que fundaram o Hot Club de France em 1932. Depois, as privações e o isolamento provocado pela Segunda Guerra o impediram de participar da revolução do bop. Charlie Christian ficou com o título de gênio máximo da guitarra.
A aposta das bandas atuais no tradicionalismo é grande. A ideia de revival dos anos 30 é muito forte, tanto pela instrumentação quanto pelos temas tocados. Nisso, seguem uma tendência saudosista mundial. A fase de Django lembrada com mais carinho pelos admiradores é sem dúvida a do Quinteto. Esta não reflete, contudo, a totalidade do artista que ele foi, e, em certa medida, tornou-se até uma camisa de força do qual ele teve dificuldade para se livrar.
Mais de uma vez, Django foi quase "obrigado", por questões financeiras, a reunir formações como a do Quinteto. Outras vezes, o fez mesmo para aproveitar a fama da mítica parceria com Grappelli. Mesmo quando já tinha se convencido de que, criativamente, uma formação com outro solista (clarinetista ou saxofonista), piano, baixo e bateria, era mais do que suficiente. Os formatos adotados nos Hot Clubs são, essencialmente acústicos e de quatro, cinco ou mais integrantes.
Quando Django descobriu de fato o poder da eletrificação, em 1946, na viagem aos EUA com Duke Ellington, não voltou mais para a acústica simples. Adorava como a captação elétrica da vibração das cordas permitia maior sustentação das notas (sustain). Para ele, um dos principais propagadores do uso de bends (o ato de "torcer" a nota, mudando sua tonalidade pela manipulação da tensão da corda) e dos glissandos (o "deslizar" de uma nota para outra), era uma oportunidade ímpar de esforçar menos para produzir mais sons.
Instalou um captador Stimer no seu Selmer e passou até a experimentar com as distorções provocadas pelo primitivismo do equipamento. Não viveu, infelizmente, para ver a guitarra elétrica sólida inventada por Leslie Les Paul Polfuss. Se tivesse vivido, não tenho dúvidas de que a teria adotado. Quando descobrisse os pedais de efeitos, então...
Outra questão são os repertórios recheados de clássicos em sua maioria instrumentais, o que dificulta bastante o acesso do público. Por mais que, para os fãs, possa ser maravilhoso escutar novas execuções de Nuages, Minor Swing, Daphné, Sweet Georgia Brown e Saint Louis Blues, para citar algumas, o mundo não é mais o mesmo. O andamento utilizado pelo Quinteto - radical para a época - não é mais "moderno" para o público, hoje conhecedor de havy metal de alto poder de destruição dos tímpanos e de velocidades absurdas e muitas vezes, incômodas.
Em 1946, Django e Grapelli chocaram a França com uma versão jazzística de La Marseillaise. Jimi Hendrix, 23 anos depois, surpreendeu o mundo com uma versão rock n' roll do hino americano Star Spangled Banner. Em 1937, Django e Grapelli viram ser carbonizadas pelos nazistas cópias de sua versão jazz para o Concerto em D menor para dois violinos, de Johann Sebastian Bach. Nos anos 1980, o movimento neoclássico, capitaneado por Ritchie Blackmore, Yngwie Malsmsteen e outros, trouxe para o contexto do heavy metal as músicas clássicas - com ênfase, no caso, no barroco. Críticos torceram os narizes, mas ficou por isso.
Os tempos são outros, e permitem maiores ousadias. Por que não ousar?
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